Autor: Dr. Luiz Eduardo Lourenço
Em meio à crise de saúde pública e segurança que as drogas impõem ao Brasil, a política nacional sobre drogas parece alicerçada em um equívoco que impede tanto a proteção do usuário quanto a redução dos danos à sociedade. A chamada “redução de danos”, proposta como medida humanitária e preventiva, é um modelo que, ao concentrar-se apenas na mitigação de impactos sociais, negligencia a recuperação efetiva dos usuários e, de forma indireta, sustenta economicamente as redes de tráfico, as quais, em última instância, lucram com a adicção.
A abordagem de redução de danos nas políticas de drogas brasileiras busca oferecer assistência de saúde e condições mínimas de dignidade aos usuários ativos, mas restringe-se, na prática, a uma cobertura de danos superficiais, como a distribuição de insumos ou a criação de locais de uso seguro. No entanto, esse método falha em abordar o núcleo do problema: a dependência química em si e o contexto psíquico e social que levam o indivíduo à adicção. É uma política que apenas administra, de modo paliativo, as feridas causadas pelas drogas sem tratar a infecção que as gera.
Um Vício que Beneficia o Tráfico
A realidade econômica da atual política revela uma contradição flagrante. O suporte oferecido a usuários, quando desconectado de programas de desintoxicação, terapia e reintegração social efetiva, acaba se transformando em um canal indireto de repasse de recursos públicos para o próprio tráfico. Os usuários, ainda presos na dependência, recebem insumos e cuidados, mas sem o devido suporte para sua recuperação integral. Com isso, a demanda por substâncias ilegais continua, fortalecendo a posição econômica dos traficantes. Em um país onde o tráfico se configura em redes altamente organizadas, cada usuário mantido em seu ciclo de consumo é mais um recurso humano e financeiro nas engrenagens da criminalidade.
Estudos e relatos de profissionais envolvidos em programas de redução de danos revelam uma correlação entre a distribuição de recursos públicos e a dinâmica do tráfico. Na ausência de um programa que trate do tratamento e recuperação, qualquer incentivo financeiro ou logístico a usuários, mesmo que com objetivos preventivos, serve apenas para manter o ciclo da dependência ativo. O lucro gerado pelo tráfico sustenta-se em uma máquina que não apenas depende de novos consumidores, mas os mantêm no vício por meio da oferta constante de produtos e redes que fornecem a essas pessoas uma “assistência” que, na verdade, encobre sua fragilidade e dependência.
Redução de Danos: Uma Abordagem Superficial?
A limitação da política de redução de danos aplicada no Brasil é, em si, uma simplificação dos processos sociais e psicológicos que conduzem ao consumo de drogas. Estudos de abordagem multidisciplinar, incluindo a psicanálise e a teologia, apontam para a necessidade de uma intervenção que vá além de medidas preventivas e abarque a reconstrução identitária do indivíduo. É a vida, e não o hábito de consumo, que precisa ser tratada; qualquer método que apenas alivie os sintomas sem tratar a causa é um paliativo de curto prazo.
Quando olhamos para o modelo de redução de danos europeu, que tantas vezes inspira os modelos brasileiros, é possível observar que, embora ele apresente resultados mais significativos, esses países possuem um aparato mais completo de apoio psicológico, social e reabilitativo. No Brasil, onde as estruturas de saúde mental são, por vezes, insuficientes para a demanda, o modelo de redução de danos que ignora o tratamento da dependência é insustentável e agrava ainda mais o ciclo de dependência.
O Caminho da Recuperação: Para Além da Assistência Social
Para que a política de drogas no Brasil avance de maneira ética e humanitária, é essencial uma reestruturação do conceito de assistência ao usuário. Essa assistência precisa incluir um compromisso real com a recuperação e a ressocialização. Compreender a adicção sob uma perspectiva psicoteológica – que considera tanto os aspectos internos do ser quanto suas relações espirituais e sociais – possibilita enxergar o usuário como um ser complexo, cuja cura demanda mais que a mera redução dos danos visíveis.
O Método D2R (Desconstrução, Reconstrução e Ressocialização), por exemplo, que aplicamos em contextos de combate à dependência, tem mostrado que uma abordagem terapêutica, educativa e espiritual pode transformar não só o hábito, mas a vida e a identidade do usuário. A experiência mostra que, ao desconstruir o padrão de dependência e, em seguida, trabalhar na reconstrução de uma nova identidade, a pessoa deixa de ser apenas um “usuário ativo” e se torna um agente de sua própria recuperação e reintegração.
Em última análise, para que o Brasil tenha uma política de drogas realmente eficaz, é urgente que o Estado reavalie o destino dos recursos aplicados na atual política de redução de danos. Esses recursos, em vez de apenas abrandar as consequências sociais do uso de drogas, poderiam promover uma transformação profunda na vida dos usuários, oferecendo a eles uma real possibilidade de recuperação, de ressocialização e de dignidade.